Comboio começa a ganhar a corrida aos meios rodoviários nas deslocações a Lisboa
Viajar no serviço ferroviário Intercidades do Alentejo tornou-se um hábito que deriva do preço, do conforto e da pontualidade. Esta é a leitura que o PÚBLICO faz após questionar passageiros residentes em Beja sobre as vantagens e as desvantagens do uso deste meio de transporte que se está a tornar alternativa aos autocarros e até ao automóvel, principalmente nas deslocações a Lisboa.
São os estudantes e os idosos os seus principais utilizadores. Diz Adriana Mendes, de 17 anos, que nas deslocações para o Seixal ou Lisboa para estar com familiares e amigos, ou apenas para passear, comprar livros ou ir ao cinema, há pelo menos dois anos que a sua preferência vai para o comboio. E Adriana acrescenta-lhe outras razões: "Observo, comodamente sentada, como o Alentejo é bonito".
Sozinha ou acompanhada de amigos, Martinha Guerreiro já se habituou ao comboio para ir a Lisboa ao médico ou ao hospital. Com os seus 72 anos, não tem outro motivo de força maior para se deslocar à capital: "Dá para a gente ir de manhã e vir ao fim do dia. Tratamos do que temos a tratar e ainda dá para comer uma guloseima ou ver as montras".
O único motivo de queixa que encontra vai para os comboios que, nalguns dias, partem de Lisboa, da Gare do Oriente, muito cheios, com passageiros de pé, mas que ficam na sua maioria nas estações até Pinhal Novo. Isto acontece, sobretudo, aos domingos ou sextas-feiras. Duas carruagens é muito pouco, observa. Com efeito, uma delas é de primeira classe, que "leva sempre poucos passageiros", e a outra " é para o povo". Mesmo quando partem de Beja, Otília Martins, de 52 anos, tem observado que o comboio "vai bem composto", embora de Lisboa venha sempre mais gente.
Mas é um jovem alemão, Edmund Bernard, que visita com frequência o Sul - tem amigos na serra algarvia e um primo em Ourique -, que tem queixas dos horários, por não "encaixarem" entre as composições regionais e o Intercidades. "Não compreendo porque não conjugam os horários" para evitar perdas de tempo e dinheiro.
Quem viaja de Lisboa no Intercidades chega a Beja às 11h30, mas só tem comboio para Ourique às 14h17. E no sentido contrário chega-se à capital do Baixo Alentejo às 16h16, mas o comboio para Lisboa é só às 19h14. Os horários estão desarticulados também nas ligações a Évora, para onde circulam diariamente três Intercidades oriundos de Lisboa. A oferta poderia ser ampliada se houvesse em Casa Branca regionais que dessem ligação aos dois Intercidades de Beja.
Mas acontece que os horários estão feitos de tal forma que parece que a CP brinca com os clientes. O comboio rápido Lisboa-Beja pára em Casa Branca às 10h49, mas o regional para Évora saiu às 10h28. E o mesmo acontece à noite: o Intercidades para Beja passa às 21h01, mas a automotora para Beja já partiu há 18 minutos.
Desta forma, a CP tenta concentrar todo o mercado daquele eixo nos Intercidades e justifica assim por que motivo o serviço regional dá prejuízos. Mas perde clientes porque reduz o leque de possibilidades de as pessoas escolherem a sua ida e volta.
Questionada pelo PÚBLICO sobre se eram estas as suas motivações, a empresa respondeu que "a dimensão da oferta está relacionada com os índices de procura e a viabilidade de soluções técnicas e de material circulante."
À incongruência dos horários junta-se um tarifário que penaliza quem faz transbordo e viaja em comboio de categoria inferior. É o caso da viagem Beja-Lisboa, onde, neste caso, a CP até tem boas ligações entre o regional e o Intercidades, podendo os bejenses apanhar uma automotora até Casa Branca, a fim de seguirem no rápido proveniente de Évora.
Mas vejam-se os preços: a viagem de Intercidades de Beja a Lisboa custa 11,50 euros e demora 2h12m, mas a mesma viagem realizada parcialmente num comboio de categoria inferior e com um tempo de percurso de 2h30m (ou mesmo de três horas) já custa 14,40 euros.
Perguntámos à CP se esta oferta tinha como objectivo dissuadir os clientes de escolher a fórmula "Intercidades mais Regional". A empresa respondeu que os horários são "elaborados tendo em vista as necessidades da maioria dos seus clientes, mas com condicionantes a nível das características e parque do material."
À espera de concurso público para novas automotoras
O serviço Intercidades para o Alentejo é composto por três comboios diários em cada sentido para Évora e dois para Beja. As composições são confortáveis, os tempos de percurso razoáveis, mas a fraca procura já ditou o fim do serviço de bar.
A falta de passageiros levou também à redução do número de carruagens das composições que eram três no início, sendo agora apenas duas. Só que isso traz consequências na velocidade do comboio, que em vez de circular a 120 km/hora fica limitado aos cem à hora devido à insuficiência de frenagem, isto é, menos carruagens significa menor capacidade de "travar" o comboio em segurança.
Este regime de exploração é também caríssimo para a CP. Os Intercidades do Alentejo são os rebocados por pesadas locomotivas a diesel - que avariam muitas vezes -, enquanto os restantes usam tracção eléctrica.
A CP tem um caderno de encargos preparado para lançar um concurso para a compra de novas automotoras eléctricas e a diesel destinadas ao serviço regional. A ideia é alterar os interiores de algumas destas unidades, tornando-as mais atraentes e pô-las a assegurar no serviço Intercidades para o Alentejo. Uma solução mais económica, mas que tarda em concretizar-se.
A secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, já anunciou este concurso para Setembro, depois para Novembro e, entretanto, o próprio presidente da CP, Cardoso dos Reis, o anunciou várias vezes. Mas, até à data, não passou de intenção. C.C.